O que derrubou o Viaduto Batalha dos Guararapes em Belo Horizonte. Este texto trás alguns detalhes técnicos sobre o que ocorreu em Minas Gerais, foram tratados na AÇÃO CRIMINAL promovida pelo MP (Ministério Público) contra os integrantes (diretores e funcionários) das empresas envolvidas nos projetos, execução e fiscalização, que são CONSOL, COWAN e SUDECAP. Este conteúdo é de leitura longa, mais de 10 min e é um assunto bastante técnico, destinado a pessoas envolvidas com construção e obras civis.
Histórico dos Fatos
Trata-se da resenha da AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA, localizada na VARA CRIMINAL de BELO HORIZONTE/MG – AUTOS DO PROCESSO Nº 2223676-59.2014.8.13.0024, que segundo o que conta o Ministério Público, em 2009 foram feitos vários estudos viários e urbanísticos atestaram a necessidade de ampliação e reestruturação das Avenidas Pedro I e Antônio Carlos, de Belo Horizonte (MG), em razão da ampliação do Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins) e o aumento no fluxo de veículos esperado para a Copa do Mundo de 2014, indicando a necessidade de aumento da capacidade no sistema de transporte para absorver tal aumento do tráfego urbano. Foi realizado projeto para a construção do sistema de ônibus chamado BRT Move, a ampliação da Avenida Pedro I e suas confluências, com a futura construção de trincheiras, passarelas e sete viadutos, como o Viaduto Batalha dos Guararapes., o qual vamos tratar com grande profundidade técnica.
Ligada a prefeitura da cidade de Belo Horizonte, existe uma autarquia chamada SUDECAP – Superintendência de Desenvolvimento da Capital. Este ente público cuida dos aspectos da capital e entende que é mais eficiente e traz mais segurança ao município, a divisão dos trabalhos, quando são de grande vulto, e que assim foi feito para o caso do Viaduto Batalha dos Guararapes:
(a) procedimento licitatório para a fase de projetos (anteprojeto, projeto básico e projeto de execução) e
(b) procedimento licitatório para a efetiva execução da obra.
Assim, ao fim do regular procedimento licitatório, em outubro de 2009 foi celebrado o contrato de nº SC-121/09 pela Prefeitura de Belo Horizonte com a empresa CONSOL Engenheiros Consultores Ltda., com previsão para entrega dos projetos, em sua integralidade, em agosto de 2011.
E ao que consta, os projetos básicos foram entregues em dezembro de 2010 e a autarquia pagou integralmente à empresa CONSOL todos os valores acordados, mas os projetos executivos seguiram em fase de elaboração.
Face à grandiosidade das obras, estabeleceu-se o gerenciamento do conjunto, fiscalização e apoio técnico à SUDECAP, com um novo procedimento licitatório, culminando com a assinatura do contrato de nº SC-130/10, em 02/10/2010, com o consórcio vencedor (CONSOL e ENECON S/A – Engenheiros e Economistas Consultores), com o prazo de 840 dias corridos, a partir do início das atividades. E pelo que consta, o contrato de apoio técnico findou em março de 2013.
Para a efetiva execução das obras, foi realizado outro procedimento licitatório, desta feita vencido pelo consórcio COWAN/DELTA, sendo que esta última logo deixou o consórcio, ficando responsável pelas obras somente a Construtora COWAN S/A, empresa fundada em 1958 conta com larga experiência no mercado em obras pesadas. Este contrato recebeu o nº SC -10/2011, quanto ao lote 2, que incluía o viaduto sinistrado. O cronograma previa o início dos trabalhos para o mês de fevereiro de 2011, com conclusão prevista para abril de 2013, conforme informado no portal da SUDECAP.
E quando findou o contrato de apoio técnico com o consórcio CONSOL/ENECON, a obra de construção do viaduto Batalha dos Guararapes sequer havia começada.
De fato, os serviços de engenharia somente tiveram início efetivo em julho de 2013, quase três meses após a data prevista para conclusão das obras. É necessário ressaltar que o contrato de apoio técnico não foi renovado, motivo pelo qual a SUDECAP assumiu para si toda a responsabilidade pela fiscalização do andamento das obras.
O atraso ocorreu por conta de ação da CONSOL e da má administração da SUDECAP, que efetuou pagamento em dezembro de 2010, ao receber projetos que então considerou como “bons”. Todavia, a própria CONSOL identificou inúmeros erros conceituais nos projetos que apresentado. Passou todo o ano de 2011 revendo o projeto estrutural, como informou à autarquia em reunião ocorrida em 25/01/2012. E passou todo o ano de 2012 revisando (ou elaborando) os projetos executivos, que não foram entregues completos pela CONSOL, mas que foram pagos em sua integralidade pela SUDECAP. A CONSOL, inclusive, pretendia usar os recursos do contrato SC-130/10, de cogestão e apoio técnico, para o processo de revisão, sendo certo que o consórcio CONSOL/ENECON acabou por receber multa por descumprimento contratual em R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) por deficiência generalizada na prestação do serviço contratado.
Enquanto isso, a COWAN fora contratada em fevereiro de 2011, para execução das obras, mas se recusava a proceder ao cumprimento do contrato já que identificara e era sabedora da existência de inúmeros erros nos projetos da CONSOL. E somente em 2012 a CONSOL começou a entregar os projetos revisados, porem eles ainda estavam incompletos, e/ou ainda eram referentes a outros viadutos (Viaduto A, Gil Nogueira e Barragem). E quanto ao projeto revisado referente ao Viaduto Batalha dos Guararapes, a CONSOL se comprometeu a entregar somente em março de 2013.
A SUDECAP simplesmente assistia a tudo, sendo que a então Diretora de Projetos enviou inúmeros comunicados à empresa CONSOL, cobrando os projetos revisados e relatórios quanto à natureza e espécie dos erros encontrados. E poucas informações eram enviadas à autarquia, poucas pranchas de engenharia com detalhamento dos projetos eram entregues. Mas a SUDECAP, já havia pago a integralidade dos valores acordados à CONSOL mesmo ciente dos projetos estarem incompletos, porém considerados regulares. Nesse contexto, não havia contrato vigente quanto à elaboração de projetos, somente quanto ao apoio técnico, o que inclusive dificultava as cobranças.
Já a COWAN, informou que recebera inicialmente somente os projetos básicos da obra, não tendo recebido os projetos executivos, o que inviabilizava a execução dos trabalhos. As reuniões entre os envolvidos se tornaram semanais. De início, entre a COWAN e a CONSOL, à revelia da SUDECAP. Posteriormente, a autarquia foi convocada a participar, mas na maioria das vezes apenas como ouvinte. A COWAN detectou problemas, que foram resolvidos pela CONSOL em etapas, como consta, já que havia erros nos projetos de todos os sete viadutos licitados.
A SUDECAP pressionava para que as empresas se entendessem, já que contratara para elaboração e execução de projetos e os prazos já estavam esgotados. E a Copa do Mundo se aproximava. Nisso a CONSOL enviava projetos revisados de outros viadutos, todos com significativas alterações. Como exemplo, em outubro de 2012, a empresa enviou novo projeto do Viaduto Monte Castelo com significativo acréscimo da quantidade de aço, o que poderia inclusive onerar o processo. Essa situação se repetia nos outros projetos, o que trouxe preocupação à autarquia quanto aos custos acordados.
E finalmente, em 19 de março de 2013, estando próxima a data fixada pela CONSOL para entrega do projeto revisado do Viaduto Batalha dos Guararapes, foi realizada nova reunião entre COWAN, CONSOL e SUDECAP, em que a CONSOL declarou que não existia nenhum problema grave na estrutura do Viaduto Batalha dos Guararapes, apenas a necessidade de pequenas correções de desenhos e formas aperfeiçoadas das armaduras para facilitar a execução da obra. A COWAN atestou a informação e a SUDECAP aceitou o veredicto. Ela recebeu o projeto revisado em 03/01/2013 (infra e mesoestruturas), novamente o atestou como “em conformidade” com o objeto licitado e autorizou o início das obras.
O início das obras ocorreu em julho de 2013. O bloco de sustentação do pilar P3, estava sendo concretado em 24/08/2013. O pilar P3 foi construído em setembro de 2013. E, nesta época, após longas desavenças, a construtora COWAN contratou a CONSOL para apoio técnico e serviços de consultoria (contrato C1946). Dentre seus trabalhos incluía-se a revisão de projetos e desenhos complementares. A razão dessa contratação prendeu-se, principalmente, à inexistência de empresa que prestasse apoio técnico à SUDECAP, já que o contrato de nº SC-130/10 findara e a autarquia não tinha estrutura para efetivo apoio e fiscalização.
Em suma, três foram os projetos principais apresentados pela CONSOL às demais partes envolvidas: a versão de DEZ/2010 foi entregue por correspondência à SUDECAP em 18/02/2011; a versão ABR/2013 (projeto revisado) foi entregue por correspondência à SUDECAP em 03/04/2013 (sendo que este projeto foi posteriormente periciado pelo Instituto de Criminalística); a nova versão de SET/2013 (projeto revisado com novo desenho de formas) foi entregue por correspondência à COWAN em 31/10/2013, mantida a solução estrutural do projeto prevista na versão de abril.
Inúmeros foram os erros e notícias de erros, cabendo salientar que a SUDECAP sequer teve conhecimento de todos os problemas, limitados à relação COWAN/CONSOL.
Todo o planejamento das obras quanto ao complexo da Pedro I foi notoriamente defeituoso, mal elaborado e mal executado. A fiscalização, como visto, foi pífia, se é que de fato tenha existido. As pranchas de engenharia, na verdade, eram entregues conforme a obra evoluía e sem conhecimento da autarquia, que não cumpria a contento sua obrigação fiscalizatória.
E a tragédia era anunciada.
As obras tiveram início somente em julho de 2013, inicialmente com a construção e concretagem da infraestrutura, inclusive da base do pilar P3, finalizado em agosto daquele ano. A seguir, procedeu-se à construção da mesoestrutura, com destaque para o Pilar P3. Por fim, deu-se o processo de cimbramento, sustentáculo para a construção da superestrutura, que é o tabuleiro onde futuramente seria construída a pista de rolamento propriamente dita. A superestrutura foi gradualmente construída nos meses seguintes, até que, em junho de 2014, deu-se início ao descimbramento, ou seja, ao processo de retirada das escoras de sustentação, já que a estrutura já seria teoricamente capaz de suportar a carga, após a protensão do concreto.
Necessário ressaltar, o que, inclusive, constitui questão de especial relevância, que a camada asfáltica ainda não havia sido colocada, bem como as muretas e demais estruturas de apoio, o que representa considerável peso a menor na superestrutura ao momento do desabamento.
É praxe em obras de engenharia (NBR 10839/89) a alteração no projeto original, mas isso deve ser discutido e aprovado pelo projetista. Nesse contexto, a COWAN procurou a CONSOL em julho de 2013, solicitando autorização para revisão do projeto estrutural, requerendo autorização para abertura de duas janelas na laje superior em cada extremidade de cada alça do viaduto (para facilitar os trabalhos de protensão). O projetista contratado pela CONSOL, vinculado à Angular Engenharia, não aceitou a proposta e apresentou solução alternativa, não aceita pela COWAN. E não houve mais reuniões a respeito. Mas em que pese a negativa, a COWAN abriu as janelas, promovendo ainda a abertura de 42 (quarenta e duas) janelas provisórias no piso do tabuleiro da alça sul, visando à passagem de pessoal e equipamentos, além de outras 44 (quarenta e quatro) janelas no piso do tabuleiro da alça norte.
Não bastasse isso, a COWAN, através da empresa contratada, ainda promoveu a operação de descimbramento sem o fechamento das janelas, o que pode comprometer a segurança do conjunto. E demonstrando ainda má prática de engenharia, a COWAN não promoveu a infeção de nata de cimento nas bainhas das cordoalhas para protensão, de modo a lhes dar maior aderência à pasta e menor movimentação das partes. Por fim, a COWAN promoveu a construção de paredes transversais (transversinas) no tabuleiro do viaduto, também no intuito de facilitar a obra, mas sem comunicar o fato ao projetista e lhe solicitar revisão de cálculos e autorização/aprovação, aumentando o peso bruto em cerca de 27 (vinte e sete) toneladas. Pode parecer irrelevante em uma obra de 5.000 toneladas, mas a queda do viaduto mostrou que nenhum fator pode ou deve ser desprezado.
Descimbramento
Trata-se da remoção das escoras de sustentação, sendo ele um processo manual, com a retirada lenta e gradual das estruturas de alumínio, unidas por linguetas do tipo borboleta, do ponto mais afastado até o pilar. Deve transcorrer com relativa tranquilidade, não sendo necessário maiores esforços na retirada das estruturas de sustentação, já que a obra consegue suportar o próprio peso, além das cargas que serão acrescidas com o uso corrente.
O desmoronamento do viaduto
O processo de desmontagem, na semana que antecedeu ao desabamento, os operários perceberam que a passarela forçava o andaime para baixo, dificultando os trabalhos à medida que se aproximavam do pilar P3, sendo necessário o uso de força cada vez maior na retirada das escoras. Os andaimes estavam prensados no concreto, sendo necessário até mesmo o uso de um guindaste para retirá-los. E desde o início os operários estranharam o fato, já que os andaimes estavam muito pressionados pela superestrutura e as vigas estavam amassando e entortando.
Em 03 de julho de 2014, narra o Ministério Público que os operários iniciaram os trabalhos de desmontagem por volta das 7h20, percebendo, desde o início, que a estrutura estava prensada pelo peso do viaduto Batalha dos Guararapes situado na Avenida Dom Pedro I (bairro Planalto). Assim, passaram a desparafusar o andaime e bater na estrutura até que cedesse. O esforço era exaustivo e os operários tinham que parar para descansar, de tempos em tempos. Os funcionários ouviam os estalos nas ferragens. Cerca de meia hora antes do desabamento, operários chegaram a descer do tabuleiro, temerosos com os ruídos que ouviam.
E após a retirada de mais uma estrutura modular, restando duas, já que o viaduto desabou ainda cimbrado, os operários responsáveis pelo desmonte das estruturas dirigiram-se ao encarregado e comunicaram que interromperiam os trabalhos, dada a evidente falta de segurança. O encarregado conversou com o engenheiro e os operários foram ameaçados de demissão. Com isso, retornaram ao trabalho. Mas os estalos ficaram mais fortes e as vigas começaram a ceder. Os operários desceram dos andaimes e interromperam os trabalhos, isso por volta das 15h00. A estrutura amassou as vigas. Os andaimes começaram a quebrar. Os operários perceberam que o desabamento era iminente. Todos correram e por questão de segundos, não foram todos esmagados e mortos. Outros operários estavam sob o viaduto, e no intervalo destinada ao café, e correram, escapando por pouco.
Cerca de trinta operários estavam no tabuleiro do viaduto. O viaduto desabou nesse momento e alguns deles sofreram sérias lesões. O viaduto caiu sobre quatro veículos, sendo dois caminhões, um Fiat Uno e um ônibus coletivo, deixando duas mortes e várias pessoas feridas. O viaduto caiu cimbrado. Ainda havia duas estruturas de sustentação presentes quando desabou. Não havia movimento de veículos, já que sequer havia sido posta a camada asfáltica, até porque o piso do tabuleiro ainda estava com as citadas aberturas, ou “janelas”. O peso total, quando desabou, era menor do que seria quando pronto, já que parte da estrutura ainda não havia sido construída e não havia a carga dinâmica. (movimento dos veículos)
Em fevereiro de 2014, o Viaduto Montese foi interditado, condição em que permaneceu até novembro. Foi feito reforço em sua estrutura com a injeção de toneladas de concreto. Os mesmos erros que causaram a queda da alça sul do Viaduto Batalha dos Guararapes se repetiam na alça norte, que teve que ser demolida. Outros viadutos do complexo apresentaram falhas, rachaduras e deslizamentos, como fartamente noticiado pela imprensa. E a sociedade local, com razão, ainda tem receio de transitar por aquela região.
As Causas do Desabamento do viaduto Batalha dos Guararapes
Um só fator não é suficiente para explicar a ocorrência de tão grave evento.
Estudos de Frank Bird apontam o que se denomina por Efeito Dominó, quando temos sucessão de fatos que se sobrepõem, e promovem o aumento do risco.
A hipótese é de concausalidade, erros e omissões grosseiras, descaso com o dinheiro público, irresponsabilidade de quem devia zelar pela incolumidade pública, assunção desarrazoada de riscos, absoluta negligência na fiscalização, pressa e urgência desmedidas, já que a Copa do Mundo se aproximava.
Os trabalhos se desenvolviam até altas horas, inclusive nos finais de semana, fazendo mais de 150 horas-extras por mês, infernizando moradores do entorno, especialmente dos condomínios Antares e Savana. Operários foram buscados no interior, dada a necessidade de mão-de-obra, afinal, a obra visava a Copa do Mundo e deveria ter sido entregue mais de um ano antes. O cronograma agora já sinalizava setembro de 2014, ou seja, saiu do cronograma da Copa, o que era intolerável. A urgência era perceptível.
Havia vários projetos informais e não sabia qual estava sendo executado, que solicitou a contratação emergencial de novos engenheiros para essa finalidade, que pediu orientações à Diretoria Jurídica e não obteve resposta, foram, a tempo e modo, ignorados. Há erros, omissões, irresponsabilidade e assunção de riscos no projeto, na execução e na fiscalização.
Instituto de Criminalística, através da Seção de Engenharia Legal – STEL, elaborou o laudo de número 37.994/2014
1) o concreto utilizado na execução da obra, tanto na base de sustentação quanto no pilar P3, possuía a resistência à compressão exigida no projeto estrutural;
2) considera-se afastada a hipótese de recalque do bloco do Pilar P3, já que o afundamento se deu de forma brusca. Em caso de recalque, toda a estrutura teria entrado em colapso imediatamente e não apenas a base do pilar P3;
3) Houve a abertura de 42 janelas no piso do tabuleiro, em desacordo com o projeto, e essas aberturas não constam no diário de obra, como deveriam, e possivelmente foram feitas para facilitar o trabalho de protensão do concreto. O encontro (fechamento) de janelas durante o desabamento provocou inclusive a ruptura do tabuleiro do Viaduto entre os pilares P3 e P4, o que, sem dúvida, contribuiu para o colapso da estrutura;
4) não houve a injeção de nata de cimento nas bainhas de protensão, o que caracteriza má engenharia;
5) houve grave erro no cálculo estrutural da base de sustentação do pilar P3, que lhe afetou a resistência e pode ser considerado a causa inicial do desabamento;
6) o processo de descimbramento (retirada das escolas de sustentação), deu-se com notória anormalidade. De início, o processo começou ainda com as janelas abertas, o que pode ter contribuído para a perda de resistência estrutural. A retirada propriamente dita, feita no ponto compreendido entre os pilares P4 e P3 (em direção ao P3), mostrava-se especialmente dificultosa. É esperada certa resistência do material, mas nada que supere a necessidade de pequenas pancadas nas borboletas. No caso, quanto mais se aproximavam os operários do pilar P3, maior era a resistência encontrada, tornando necessário esforço físico desmedido (os operários beiravam a exaustão) e constantes avisos à direção da obra. Estalos eram ouvidos e deformações na estrutura eram percebidas pelos operários. O viaduto pressionava as escoras, prensando o material, que penetrava no concreto. Alguns funcionários ouviram sonoro “estalo” vindo da estrutura cerca de meia hora antes do desabamento, no que alguns dos operários foram retirados da parte de cima do viaduto, tendo sido ainda verificado se havia alguém no “caixão perdido”, que então estava vazio. Mas nem todos os operários saíram do local, vez que sobre o viaduto havia uma pequena barraca para o café, onde estavam alguns dos funcionários no momento do desabamento. O recomendado, o esperado, até mesmo o óbvio, é que o processo de descimbramento fosse interrompido e o engenheiro projetista fosse chamado a opinar. A situação era de risco, percebido por quem labora diretamente naquela atividade. Mas nada se fez, sequer o trânsito no local foi interrompido. A determinação dos responsáveis foi pelo prosseguimento do processo de descimbramento. Operários foram ameaçados de demissão, caso não prosseguissem. Sem opção, prosseguiram, até minutos antes da queda. Na verdade, não houve mais mortes por mera obra do acaso. Um ônibus do MOVE passara sob o viaduto momentos antes do desabamento, lotado de passageiros. Operários não foram esmagados por questão de segundos. Os ocupantes da linha Suplementar 70, coletivo atingido parcialmente pela queda do viaduto, poderiam não ter escapado com vida. Alguns dos operários que estavam sobre o tabuleiro sofreram lesões graves, mas também poderiam ter morrido. A tragédia poderia ter atingido proporções inimagináveis;
7) Não houve revisão dos projetos de engenharia, nem pela CONSOL nem pela COWAN. Como cediço, em grandes obras de engenharia não se executam projetos sem as necessárias revisões, já que o risco é incalculável. Questões contratuais não justificam a omissão. Há notícias, inclusive, que a alça norte possuía os mesmos erros da alça sul.
A própria perícia recomendou, por ocasião da elaboração do laudo, que se mantivesse a alça norte cimbrada, já que o risco de desabamento era enorme, caso as escoras fossem retiradas.
E depois a alça norte teve que ser demolida, face aos mesmos erros de projeto.
Os Cálculos da Perícia Técnica
Para se chegar às conclusões descritas no item 5 do laudo pericial, no cálculo das reações de apoio (fls. 352), os valores foram estipulados para as cargas atuantes no pilar P3, mas foram repassados erroneamente, sendo esta a conclusão da perícia: “os valores transportados para a primeira e segunda linha da fórmula: 1.408,37t, 243,07t e 1.141,90t (figura 73) não eram os mesmos descritos na página 15 da memória de cálculo, pois os valores encontrados eram, respectivamente, 1.498,80t, 293,78t e 1.184,79t”. Esta é a demonstração dos valores passados erroneamente, com os resultados obtidos, em trecho extraído da memória de cálculo (Nmax= 1,35×1408,37+1,50×243,07=2.265,90/Nmin=1,35×1141,90=1,541,56). Refeitos os cálculos com os valores corretos (Nmax = 1,35×1,498,80+1,50×293,78=2.464,05t/Nmin= 1,35×1.184,79=1.599,47t). A estes valores ainda deveriam ser somados o peso do bloco e do pilar P3, totalizando Nmax = 2600 toneladas como carga vertical máxima, conforme cálculo de fls. 537. Como bem sustentou a criminalística às fls. 537: “a carga vertical máxima recalculada seria maior que 2600t. Esse novo valor influencia diretamente na escolha das estacas. Conforme projeto (figura 77) o estaqueamento foi definido com 10 (dez) estacas com diâmetro de 800mm e carga de 250t cada em cada estaca, totalizando 2500t, valor inferior ao obtido no dimensionamento, com os parâmetros calculados na página 15, Nmax>2600t”. E os dados incorretos Nmax=2265,90t e Nmin=1541,56t, foram replicados na memória de cálculo do Pilar P3 e geraram diversas inconsistências nos resultados, ocasionando a construção da base de sustentação do pilar com resistência insuficiente. Apenas para exemplificar, a dimensão do bloco do P3, em sentido longitudinal, deveria ser de 9,30 metros de comprimento, mas o cálculo, como se vê às fls. 536, consta 7,30 metros.
O Pilar P3, com cerca de 7,0 metros de altura, localizado à margem da Av. Dom Pedro I, puncionou o bloco de coroamento onde estava apoiado. Este bloco estava interligado a 10 estacas dispostas em duas linhas paralelas e foi cisalhado abruptamente, quando o pilar afundou cerca de 6,0 metros no terreno,
O pilar P3 afundou diretamente sobre a base, quase nivelando com a mesma, já que a carga se concentrou sobre apenas duas das dez estacas de fundação. Provocou intensa pressão lateral, face ao formato de cunha, rompendo as demais. Daí em diante o colapso foi inevitável. O tabuleiro entre os pilares P3 e P4 rompeu-se. O tabuleiro entre os pilares P3 e P2 foi deslocado do pilar P2, já que arrastado em direção ao pilar P3, que afundava, e também se rompeu. O rompimento do tabuleiro e o arrastamento citado são facilmente percebidos pelas fotografias de fls. 494. Todo o evento durou cerca de cinco segundos e está claramente explicado às fls. 544/550 dos autos, no capítulo do laudo pericial que trata da dinâmica dos eventos. Mas como bem concluiu a perícia, esta foi uma das causas do desabamento. A causa inicial ou causa primária. A hipótese, como dito, é de concausalidade.
Ainda de acordo com a peça acusatória, a alegação feita pela CONSOL, de que a COWAN utilizara concreto vencido na base do pilar, a prova testemunhal e a Criminalística já esclareceram que o material contestado foi usado entre os pilares P3 e P4 e não na base do pilar P3 e ainda estava em condições de “trabalhabilidade” face ao uso de aditivos, como atestado pelos engenheiros responsáveis.
A perícia atestou que o concreto utilizado na base e no pilar P3 tinha a resistência e a compressão prevista no projeto estrutural.
“Com base no exposto, é possível concluir que o erro no dimensionamento da ferragem do bloco de fundação do pilar P3 pode ser apontado como o fator inicial, que somado à falta de revisão dos projetos, que se realizada poderia ter detectado tal deficiência, à fiscalização ineficiente e à retirada do cimbramento em condições que indicavam a necessidade de sua permanência, culminaram na ocorrência do desabamento”.
“Com a perda de sustentabilidade, o pilar P3 começou a afundar e o restante do cimbramento perdeu a capacidade de sustentação, transferindo toda a carga ao pilar P3, que foi afundando (sendo cravado) no solo, em sentido vertical, quase sem sair de seu alinhamento inicial (prumo). Nesse instante, o vão entre os pilares P3 e P4 (vão 1) começa a ser comprimido. O ponto de apoio do tabuleiro sobre o P4 (A) começa a rotacionar. O ponto de apoio do tabuleiro sobre o P3 (B) começa a descer, mantendo-se bem próximo ao seu alinhamento vertical (prumo)”.
Acrescente-se a isso as 42 aberturas que não estavam previstas no projeto e não foram autorizadas pelo projetista, a retirada das escoras ainda com as janelas abertas, a falta de injeção de nata de cimento nas bainhas de protensão, a construção de paredes transversais (transversinas) no tabuleiro do Viaduto, também sem o aval do projetista, que elevaram o peso em 27 toneladas e a urgência na conclusão da obra, pelas razões já conhecidas, e se tem a real compreensão do resultado. Como dito, houve erros e inconsistências em todas as etapas: na elaboração do projeto, em sua execução e na fiscalização. E em direito penal, como é sabido, as causas se equivalem. Tudo aquilo que contribui para o resultado é causa deste e tem o mesmo valor na cadeia de eventos que levaram a sua ocorrência. É a teoria da equivalência dos antecedentes causais, expressamente adotada em nosso Código Penal, em seu artigo 13, sendo esta a hipótese dos autos.
As vítimas do Desmoronamento do Viaduto
No tocante às vítimas do desabamento, diz o Ministério Público que o Viaduto Batalha dos Guararapes desabou sobre quatro veículos, sendo eles: um micro-ônibus da linha Suplementar 70, cor amarela, placa OWV 2897; um veículo Fiat Uno Vivace, cor cinza, placa GSZ 5394; dois caminhões basculantes a serviço da obra, placas GVQ 2831 e GXA 9090. O desabamento ainda vitimou operários que estavam sob o viaduto e sobre o tabuleiro do viaduto no momento do desabamento. E não se olvide que o crime principal é de perigo comum. O número de vítimas, portanto, é indeterminado, já que atinge a coletividade.
As vítimas diretas
1) HANNA CRISTINA SANTOS, era a motorista do ônibus da linha Suplementar 70.
2) CHARLYS FREDERICO MOREIRA DO NASCIMENTO, conduzia o veículo Fiat Uno Vivace.
E várias pessoas que sofreram lesões corporais diversas, em diferentes locais,
1) Ana Clara Santos da Conceição,
2) Déborah Nunes Reigada,
3) Nádia Grasielli da Silva,
4) Érica Alves Moreira de Souza,
5) Renata Soares da Silva,
6) Anna Paula Evangelista Umbelino dos Santos,
7) Penélope de Fátima Ferreira Pelegrini,
8) Maria Gomes da Silva
9) Rosilene Fernandes Costa,
10) Gerson Sandré Lopes,
11) Maria Nilza Loiola,
12) Cristina Cassimira de Oliveira,
13) Camila Nunes de Oliveira,
14) Cláudia Doralice Xavier,
15) Maria Célia da Silva,
16) Rayane Soares Silva,
17) Enilson Luiz,
Dos OPERÁRIOS QUE ESTAVAM NA PARTE DE CIMA DO TABULEIRO E SOFREM LESÕES GENERALIZADAS GRAVÍSSIMAS
1) Fábio Júnior Silva,
2) José Hilton Ribeiro,
3) Marcelo Aparecido Rodrigues,
4) Carlos Margen Silva,
5) Vanderci Martins de Oliveira,
VÍTIMA NA PARTE DE BAIXO DO TABULEIRO
1) Jailson Honorato Marques,
Responsáveis pela Queda do Viaduto
A acusação menciona, primeiramente, a atuação deficiente da SUDECAP, que, como autarquia municipal, tinha por obrigação fiscalizar as empresas contratadas.
CONSOL pelo sinistro, pelo erro no projeto. Erro gravíssimo no cálculo estrutural da base de sustentação do pilar P3, sendo esse erro a causa inicial ou causa primária do desabamento. Em três anos, o cálculo nunca foi revisto ou refeito, e era corresponsável pela fiscalização, face ao contrato SC-130/10, com a ENECON, até março de 2013.
A prefeitura não apresentou a Certificação de Qualidade do Projeto (CQP), verificação exigida pela ABNT.
COWAN, pela falha na execução, visando ao acompanhamento da obra, apoio técnico e consultoria, através do contrato C 1946. Não obstante, entregou e permitiu a execução de projetos defeituosos, assumindo assim o risco da ocorrência do resultado, ou seja, assumiu o risco do desabamento da obra de engenharia. A COWAN fez alterações de projetos sem comunicação à CONSOL, ou em desacordo com recomendações desta. Quando solicitou à empresa projetista que permitisse a abertura de janelas para facilitação da execução da obra, teve sua proposta expressamente rechaçada, mas ignorou esse fato e procedeu às aberturas assim mesmo, 42 no tabuleiro da alça sul e 44 no tabuleiro da alça norte, mas sequer registrou essas aberturas no diário de obra, o que configura notório exemplo de má engenharia. A COWAN construiu paredes transversais, elevando o peso em 27 toneladas, também sem comunicação ao projetista, e deixou de injetar nata de cimento nas bainhas de protensão, o que é recomendável para evitar indevida movimentação dos cabos. Por fim, agiu com absurda irresponsabilidade quando do processo de descimbramento. Assim que constataram a anormal resistência à retirada das escoras, técnicos da COWAN deveriam ter paralisado as obras, interrompido o tráfego e chamado o projetista para opinar e apresentar solução, já que o risco era evidente, por óbvio, mas nada disso foi feito. Permitiu-se que a operação de descimbramento prosseguisse até o inevitável desabamento.
Como obviamente a queda do viaduto foi causada pela mão do homem e não por obra Divina, a prova técnica formada pela conclusão do laudo pericial nº 37.994/2014, elaborado pelo Instituto de Criminalística de Minas Gerais, através da Seção de Engenharia Legal – STEL, aponta que o viaduto desmoronou não por uma causa apenas, mas por uma sucessão de equívocos, uma concausalidade.
1) A causa primária foi o grave erro no cálculo estrutural da base de sustentação do pilar P3, que lhe afetou a resistência, é a demonstração dos valores passados erroneamente, com os resultados obtidos, em trecho extraído da memória de cálculo, mais precisamente um erro de transposição de valores, ocasionando um dimensionamento menor do bloco, uma quantidade de ferro insuficiente e um comprimento das estacas de sustentação inferior ao necessário.
O pilar P3 afundou diretamente sobre a base, quase nivelando com a mesma, já que a carga se concentrou sobre apenas duas das dez colunas. Provocou intensa pressão lateral, face ao formato de cunha, rompendo as demais. E daí para a frente o colapso foi inevitável. O tabuleiro entre os pilares P3 e P4 se rompeu. O tabuleiro entre os pilares P3 e P2 foi deslocado do pilar P2, já que arrastado em direção ao pilar P3, que afundava, e também se rompeu. O rompimento do tabuleiro e o arrastamento citado são facilmente percebidos nas imagens.
Engenheiros renomados que participaram de uma palestra na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre o viaduto se mostraram impressionados com os erros de projeto e execução, que, segundo eles, provaram que as obras são feitas a toque de caixa. Menos de 15 dias após a queda da estrutura, muitos deles, como o engenheiro Sebastião Salvador, professor de concreto protendido e pontes da UFMG, que ministrou a palestra, chegaram à conclusão de que o principal problema foi a falta de 85% de aço na armadura necessário no bloco de sustentação, que fica abaixo do pilar e precisaria da ferragem para transferir a carga do elevado para as estacas na fundação, que se rompeu. Mesmo assim, ao menos dez pessoas que assinaram os desenhos do elevado e estavam à frente da obra não viram o problema, considerado grosseiro e primário por especialistas. Outros profissionais que, segundo especialistas, certamente veriam a falta de aço durante a execução seriam o armador ou mestre de obras e o engenheiro que acompanhava e fiscalizava o trabalho.
Há outro estudo feito por Leandro Cupertino CORREIA; Raul NEUENSCHWANDER; Ayrton Hugo de Andrade e SANTOS, constando dos Anais do 59º Congresso Brasileiro de Concreto CBC2017, em que escolhe uma modelagem matemática, adotando estudo dos pontos e comportamento das bielas e linha de ruptura que foram submetidos a maiores tensões, que se encontram próximos ao contato do pilar com o bloco, indicando a necessidade de uma armadura de cisalhamento (punção) neste local para absorção dos esforços.
Embora não tenha existido problemas especificamente nas estacas de fundação, a distribuição das cargas nas estacas, nos dois modelos empregados (um estudo com existência de aço e outro sem existência do aço – apenas o concreto no bloco de fundação), indica que a ferragem poderia não ser necessário, desde que a geometria do bloco de fundação fosse diferente para possibilitar melhor uma distribuição de carga, de modo uniforme, formando de modo mais correto as bielas de compressão sobre as cabeças das estacas.
De acordo com os relatos do colapso estrutural da OAE (Obra de Arte Especial) foi constatado que a ruptura se deu quase instantaneamente. É possível indicar várias possibilidades que levaram a essa ruptura abrupta, uma delas é a consideração de uma carga dinâmica, proveniente do desmonte das estruturas de cimbramento, onde se considera a majoração da carga atuante, para obter um descolamento súbito na estrutura.
Considerando o bloco segundo a geometria fornecida pelo projeto e com a armadura executada, foi aplicada uma carga dinâmica de 4000 toneladas durante um intervalo de tempo de 2 segundos. A carga no bloco atingiu o valor máximo em 1,28 s e permaneceu constante até o fim do processamento.
2) Não houve revisão dos projetos de engenharia, nem pela CONSOL nem pela COWAN. Como cediço, em grandes obras de engenharia não se executam projetos sem as necessárias revisões, já que o risco é incalculável. Questões contratuais não justificam a omissão. Há notícias, inclusive, que a alça norte possuía os mesmos erros da alça sul.
3) Houve a abertura de 42 janelas no piso do tabuleiro, em desacordo com o projeto, e essas aberturas não constam no diário de obra, como deveriam, e possivelmente foram feitas para facilitar o trabalho de protensão do concreto. O encontro (fechamento) de janelas durante o desabamento provocou inclusive a ruptura do tabuleiro do viaduto entre os pilares P3 e P4.
4) não houve a injeção de nata de cimento nas bainhas de protensão, o que caracteriza má engenharia;
5) o processo de descimbramento (retirada das escolas de sustentação), deu-se com notória anormalidade. De início, o processo começou ainda com as janelas abertas, o que pode ter contribuído para a perda de resistência estrutural. A retirada propriamente dita, feita no ponto compreendido entre os pilares P4 e P3 (em direção ao P3), mostrava-se especialmente dificultosa. É esperada certa resistência do material, mas nada que supere a necessidade de pequenas pancadas nas borboletas. No caso, quanto mais se aproximavam os operários do pilar P3, maior era a resistência encontrada, tornando necessário esforço físico desmedido (os operários beiravam a exaustão) e constantes avisos à direção da obra. Guindastes foram utilizados para auxiliar no processo de retirada. A extrema dificuldade constatada no processo de descimbramento: a deficiência na protensão do concreto; a diminuição da resistência do tabuleiro e/ou aumento a deformação (flecha) do tabuleiro em decorrência das alterações feitas no projeto estrutural (abertura das janelas) são fatores relevantes.
A perícia afastou a hipótese de recalque do bloco do Pilar P3, já que o afundamento se deu de forma brusca. Em caso de recalque, toda a estrutura teria entrado em colapso imediatamente e não apenas a base do pilar P3;
Acrescenta que as estacas poderiam suportar, teoricamente, 500 toneladas cada. Mas o erro de dimensionamento do bloco, bem menor do que deveria ser e com menos ferragem (em decorrência do erro no cálculo estrutural), não suportou o peso da estrutura e o bloco cisalhou. A falência do bloco de fundação levou ao colapso da estrutura. O pilar, em forma de cunha, ao afundar no bloco, provocou um enorme esforço lateral que rompeu as colunas laterais, concentrando toda a carga em apenas duas das dez colunas originais. A pressão foi toda para as colunas centrais e o peso não mais foi distribuído de modo uniforme. Daí em diante, o colapso foi inevitável.
A estrutura do viaduto era composta por um tabuleiro em formato de caixão fechado, que se apoiava no topo dos pilares por meio de apoios metálicos. Estes pilares apoiavam-se sobre blocos de concreto e estacas escavadas. Os registros do acidente sugerem uma concepção pouco recomendada da geometria do bloco B3, que possuía altura relativamente baixa quando comparada às suas dimensões em planta. Além disso, as dez estacas, eram dispostas em duas linhas paralelas, indicando que as estacas mais afastadas do eixo do pilar P3 não absorviam os esforços oriundos da superestrutura, tendo em vista os conceitos de bielas e tirantes, contidos na ABNT NBR 6118:2007, que recomendava uma análise mais complexa incluindo verificação de punção no caso de blocos flexíveis. A análise do bloco após o ocorrido dá indícios de cisalhamento puro, sem que houvesse flexão, o que pode indicar que a taxa de armadura não foi fator preponderante para a sua ruptura.
Diante disso, são penalmente responsáveis, no âmbito da CONSOL, os engenheiros e responsáveis técnicos:
MAURÍCIO DE LANA, Diretor-Presidente da empresa,
MARZO SETTE TORRES, Coordenador Técnico, e
RODRIGO DE SOUZA E SILVA, engenheiro projetista/calculista.
E no âmbito da COWAN, são penalmente responsáveis os engenheiros
JOSÉ PAULO TOLLER MOTTA, Diretor da empresa (que, inclusive, afirmou à autarquia, em reunião ocorrida em 19/03/2013, que não havia erros graves no projeto, corroborando o dito pela empresa projetista);
FRANCISCO DE ASSIS SANTIAGO, responsável pela fiscalização, que pouco exercia, sendo ainda um dos responsáveis pelas indevidas alterações de projeto;
DANIEL RODRIGUES DO PRADO, engenheiro agrônomo que assinava o diário da obra e tinha ciência das dificuldades na operação de descimbramento, nada fazendo para impedir;
OSANIR VASCONCELOS CHAVES, engenheiro civil diretamente responsável pelo prosseguimento indevido da retirada das escoras e que ameaçou operários de demissão caso interrompessem os trabalhos;
OMAR OSCAR SALAZAR LARA, engenheiro calculista da empresa que, ciente da existência de erros diversos, autorizou o prosseguimento das obras sem as devidas verificações e checagens.
Por parte do ente público
JOSÉ LAURO NOGUEIRA TERROR, então Secretário de Obras e Infraestrutura do município e Superintendente Interino da autarquia, que ocupava posição central nos trabalhos e comparecia regularmente às reuniões entre as partes envolvida, responsabilizado por condutas omissivas, principalmente ligadas às deficiências na fiscalização, deixou de atender às recomendações da Diretora de Projetos, deixando de tomar providências que poderiam ter evitado o resultado.
CLÁUDIO MARCOS NETO, Diretor de Obras da autarquia, que permitiu o prosseguimento da obra estando ciente da existência de erros graves nos projetos, sem exigir a devida revisão. Como diretor, poderia paralisar a obra a qualquer momento. E também foi contrário à criação da comissão sugerida pela Diretora de Projetos, em que pese a notória ausência de fiscalização nas obras e as notícias de erros diversos, inclusive nos cálculos estruturais.
MAURO LÚCIO RIBEIRO DA SILVA, supervisor da obra do Viaduto Batalha dos Guararapes, a quem cabia a função fiscalizatória primária.
Exemplo de Condenação pela Queda do Viaduto Batalha dos Guararapes
Existe alguma variabilidade entre a condenação de um e de outro indivíduo (entre os engenheiros, mestre de obra, encarregados e fiscais), mas em linhas gerais, foram condenados desta forma, como exemplo:
1. EM RELAÇÃO AO ARTIGO 256, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C ARTIGO 258 (RESULTADO MORTE, POR DUAS VEZES), AMBOS DO CÓDIGO PENAL,
Culpabilidade: aqui considerada, em se tratando de crime culposo, na maior ou menor gravidade da violação do cuidado objetivo que se expressa na imprudência, na negligência ou na imperícia. No caso, o réu é engenheiro civil, Diretor-Presidente da CONSOL Engenheiros Consultores, além de sócio principal e coordenador geral. Assim, esperava-se de sua parte um dever de cuidado maior, motivo pelo qual essa circunstância será sopesada desfavoravelmente;
Antecedentes:o réu não possui nada que possa ser considerado como maus antecedentes;
Conduta Social: o estudo da conduta social do réu deve abranger a sua situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho, à vida familiar, social, dentre outras. In casu, nada existe nos autos que possa desabonar sua conduta social;
Personalidade: não poderá ser considerada em seu desfavor, já que as informações existentes nos autos não são suficientes para uma análise segura de mencionada circunstância;
Motivos do crime: inerentes ao delito;
Circunstâncias do crime: as circunstâncias do crime podem referir-se à duração do delito, ao local do crime, à atitude durante ou após a conduta criminosa, dentre outras. No caso dos autos, ocorreu o desabamento de um viaduto de grande porte, em área de grande movimentação de veículos e pessoas, o que faz com que essa circunstância seja considerada desfavoravelmente;
Consequências do crime: além das consequências inerentes ao próprio tipo penal, o desabamento culminou na morte 02 (duas) vítimas e deixou mais 23 (vinte e três) lesionadas, bem como gerou uma grande insegurança na população, que passou a temer pela queda de outros viadutos da cidade. Além disso, o fato ocorreu durante a realização da Copa do Mundo no Brasil, fazendo com que essa situação vexatória ganhasse todas as manchetes nacionais e internacionais, gerando comoção e perplexidade mundial.
Comportamento da vítima: não incide na espécie.
Considerando a existência de três circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo legal, ou seja, em 2 (dois) anos de detenção, aqui considerando a pena do homicídio culposo,conforme determina o artigo 258, parte final, do CP, sendo o aumento de 4 meses para cada circunstância desfavorável.
Na segunda fase da dosimetria não existem agravantes, todavia presente a atenuante prevista no artigo 65, I, do CP, pois o réu possui mais de 70 anos na data da sentença. Assim, reduzo a pena para 01 (um) ano e 8 (oito) meses de detenção, sendo a redução de 4 meses.
Na terceira fase não existem causas especiais de diminuição de pena, todavia presente a causa especial de aumento prevista no artigo 258, parte final, motivo pelo qual aumento a reprimenda em 1/3, fixando-a em 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção.
2. EM RELAÇÃO AO ARTIGO 256, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C ARTIGO 258 (RESULTADO LESÕES CORPORAIS, POR 23 VEZES), AMBOS DO CÓDIGO PENAL,
Culpabilidade: aqui considerada, em se tratando de crime culposo, na maior ou menor gravidade da violação do cuidado objetivo que se expressa na imprudência, na negligência ou na imperícia. No caso, o réu é engenheiro civil, Diretor-Presidente da CONSOL Engenheiros Consultores, além de sócio principal e coordenador geral. Assim, esperava-se de sua parte um dever de cuidado maior, motivo pelo qual essa circunstância será sopesada desfavoravelmente;
Antecedentes:o réu não possui nada que possa ser considerado como maus antecedentes;
Conduta Social: o estudo da conduta social do réu deve abranger a sua situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho, à vida familiar, social, dentre outras. In casu, nada existe nos autos que possa desabonar sua conduta social;
Personalidade: não poderá ser considerada em seu desfavor, já que as informações existentes nos autos não são suficientes para uma análise segura de mencionada circunstância;
Motivos do crime: inerentes ao delito;
Circunstâncias do crime: as circunstâncias do crime podem referir-se à duração do delito, ao local do crime, à atitude durante ou após a conduta criminosa, dentre outras. No caso dos autos, ocorreu o desabamento de um viaduto de grande porte, em área de grande movimentação de veículos e pessoas, o que faz com que essa circunstância seja considerada desfavoravelmente;
Consequências do crime: além das consequências inerentes ao próprio tipo penal, o desabamento culminou na morte 02 (duas) vítimas e deixou mais 23 (vinte e três) lesionadas, bem como resultou uma grande insegurança na população, que passou a temer pela queda de outros viadutos da cidade. Além disso, o fato ocorreu durante a realização da Copa do Mundo no Brasil, fazendo com que essa situação vexatória ganhasse todas as manchetes nacionais e internacionais, gerando comoção e perplexidade;
Comportamento da vítima: não incide na espécie.
Considerando a existência de três circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo legal, ou seja, em 9 (nove) meses de detenção, aqui considerando a pena prevista no artigo 256, parágrafo único, do CP, sendo o aumento de 1 mês para cada circunstância desfavorável.
Na segunda fase da dosimetria não existem agravantes, todavia presente a atenuante prevista no artigo 65, I, do CP, pois o réu possui mais de 70 anos na data da sentença. Assim, reduzo a pena para 08 (oito) meses de detenção, sendo a redução de 1 mês.
Na terceira fase não existem causas especiais de diminuição de pena, todavia presente a causa especial de aumento prevista no artigo 258, parte final, motivo pelo qual aumento a reprimenda em 1/2, fixando-a em 01 (um) ano de detenção.
3. DO CONCURSO FORMAL
Requer o Ministério Público o reconhecimento do concurso formal de crimes previsto no artigo 70, do CP, que dispõe que: “quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade…”
Com base nesta regra, considerando a pena mais grave, de 2 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, aumentada em 1/6 (um sexto), haja vista a ocorrência de dois resultados (morte e lesões corporais), ela restará totalizada em 02 (dois) anos, 07(sete) meses e 03 (três) meses de detenção.
4. DISPOSIÇÕES FINAIS:
Pelo artigo 33, §§ 1º e 2º, “c”, do Código Penal, fixo o regime inicial ABERTO.
Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, com base no artigo 44, I, e § 2º, do CP, o que passo a fazer e de acordo com o estabelecido nos artigos 45 a 48, também do Código Penal, a saber: PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA consistente no pagamento em dinheiro aos dependentes das 2 (duas) vítimas fatais, em valor correspondente a 360 salários mínimos vigentes à época do pagamento, bem como o pagamento em dinheiro a cada uma das 23 vítimas lesionadas, em valor correspondente a 100 salários mínimos vigentes à época do pagamento, ressalvando que esse valor será deduzido de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários, conforme previsão legal (artigo 45, §1º, do CP). Registre-se que esses valores foram fixados tomando por base a gravidade dos fatos e suas consequências, bem como a capacidade financeira do condenado. INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS, consistente na proibição do réu de exercer a profissão de engenheiro civil, pelo tempo da pena, devendo ser expedido ofício ao CREA correspondente para suspensão do seu registro (artigo 47, II, do CP), o que deverá ser feito apenas após o trânsito em julgado desta decisão. Registre-se que essa interdição foi fixada em razão de a profissão do réu ter estreita ligação com os fatos ocorridos.
Em razão da substituição da pena, concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade. Fica o réu ciente de que a pena restritiva de direitos poderá ser convertida em privativa de liberdade em caso de descumprimento injustificado das medidas impostas, consoante estabelece o artigo 44, § 4°, do CP). Condeno o réu ao pagamento das custas do processo.
Parecer Técnico sobre a Queda do Viaduto
Independentemente da culpabilidade dos envolvidos, algo importante é entender as razões que levaram ao colapso, o que poderia ou deveria ser feito para evitar, e o que é o correto.
Em muitas coisas na vida, o correto pode contar com mais de uma possibilidade, isso é, existem opções, em que tanto uma escolha ou a outra escolha, ambas podem estar certas.
No caso em tela, o estudo matemático apresentado no Congresso do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto) em 2017 apresenta-se nestas palavras:
O que derrubou o Viaduto Batalha dos Guararapes em Belo Horizonte
Em relação ao comportamento estrutural de blocos rígidos, a NBR 6118/2007 define que esses blocos apresentam trabalho à flexão e cisalhamento nas duas direções, mas com trações concentradas nas linhas sobre as estacas e ruptura por compressão das bielas, no caso de cisalhamento. Além disso, as cargas são transmitidas do pilar às estacas essencialmente por bielas de compressão (SAKAI, 2010)
Pelos resultados apresentados, comprova-se que diversas falhas contribuíram para o colapso da estrutura do Viaduto Batalha dos Guararapes. No caso da concepção, observa-se que o bloco foi dimensionado como bloco rígido, não sendo utilizada nenhuma armadura para prevenir as tensões tangenciais devidas à punção, absorvendo assim os esforços cortantes que atuariam no contato do pilar com o bloco. Uma das possibilidades para combater a ocorrência do puncionamento, seria a adoção de uma altura maior para o bloco, ou uma geometria mais quadrada ou hexagonal para o bloco de fundação, atendendo assim as recomendações da NBR 6118:2014, no que se refere ao dimensionamento de blocos rígidos de coroamento.
A carga máxima suportada com o bloco sem armadura e bloco com armadura de projeto foram praticamente iguais. Indicando que a falta de armadura não foi o fator preponderante para o colapso do bloco, sob o ponto de vista de carga máxima.
Quando analisadas as bielas de compressão, conforme orienta a NBR 6118:2007, percebe-se nitidamente que a distribuição de cargas nas estacas não é uniforme, concentrando carga preponderantemente nas estacas centrais.
Carga vertical no topo do pilar: 3.034 toneladas. Capacidade de carga das estacas de 2.500 toneladas. Como a carga foi maior que a resistência do conjunto, o bloco não resistiu, flexionou e a carga ficou concentrada nas duas estacas centrais
O modo de ruptura do bloco é o mesmo nos três modelos analisados e confirma o modo de ruptura do acidente no Viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte.
Outro ponto importante a ser considerado é que pela analise numérica observa-se que o bloco do Pilar P3 resistiria a uma carga de 3200 toneladas, sendo que no momento do acidente, somente atuava o peso próprio, ou seja, cerca de 2200 toneladas. Com isto conclui-se que o bloco foi solicitado com uma carga aproximadamente 1000 toneladas acima do que estava previsto, portanto, não sendo ele o responsável pelo acidente, e sim a dinâmica da retirada das escoras de cimbramento.
No bloco de fundação havia 10 estacas com 20 metros de profundidade com 80 cm de diâmetro, e capacidade de carga de 20 toneladas cada, tendo PIT que é o relatório de teste de integridade RL-16094-102-0 da TestGeo. Ensaio de Carregamento Dinâmico RL 16094-202-0.
Acredita-se que a carga excedente seja oriunda da ruptura do tabuleiro, ocorrida em uma seção entre os pilares P2 e P3, mais próxima ao pilar P2. Com essa ruptura, houve um desequilíbrio da estrutura, redistribuindo os esforços solicitantes nos pilares e blocos de fundação. A reorganização das cargas impôs ao pilar P3, instantaneamente, uma carga superior àquela prevista inicialmente no projeto.
No caso de blocos rígidos, com espaçamento de 2,5Ø a 3Ø (onde Ø é o diâmetro da estaca), a NBR 6118:2007 permite que seja admitida a distribuição uniforme de carga nas estacas, sendo que para blocos flexíveis, essa hipótese precisa ser revista.
O Pilar P3 tipo cálice com base inferior quadrada de 2 metros e base superior de 4,2 metros por 2 metros e altura de 7,87 metros.
O Bloco B3 com largura de 4,30 metros, comprimento de 9,30 metros e altura de 2 metros. O bloco B3 contava com 2.58 kg de aço e 79,98 metros cúbicos de concreto, taxa de armação de 34,48 g de aço por m3 de concreto.
A verdade é que o acidente não precisava ter ocorrido, existem técnicas para a sua previsibilidade, como auditoria de plantas, levantamentos de monitoramento para controle de recalques. Pessoas são contratadas para cumprir o que lhes é de sua responsabilidade. Se é para fiscalizar, é para fazer este serviço. Demonstrando preocupação com mudança no volume de ferragem em outro viaduto, veja que este outro viaduto está de pé, em operação. Quanto custou em prejuízo material e de tempo a queda do Viaduto Batalha dos Guararapes? Você que é engenheiro ou que faz obras por aí (e pode ser responsabilizado), se pergunte, tem dinheiro para indenizar as famílias (faça as contas/$$$), ou vai ficar preso? De toda a forma, não é mais réu primário.
Quando um médico erra, perde um paciente, quando engenheiro erra, neste caso, foram 2 vidas e 23 acidentados, além de outras 11 pessoas citadas em processo criminal.
Para a íntegra do processo criminal, mais detalhes dos estudos do Ibracon, veja:
https://www.otempo.com.br/cidades/memoria-de-calculo-do-projeto-do-guararapes-tem-13-erros-1.908110
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